terça-feira, 31 de março de 2015

Afinal, como estudar direito o Direito?? Reflexões sobre o texto Sociedade, Estado e Direito (Antônio Carlos Wolkmer)

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Existem várias formas de compreensão do Direito (ou direito, se optarmos por não concebê-lo como ciência): uma, acreditando firmemente que ele se confunde com a regra posta, estatal e positivada, o que nos coloca em uma posição de repúdio ou até ignorância em relação a tudo aquilo que socialmente "brota", mas que não está necessariamente abrangido pela lei (a exemplo dos direitos emergentes, novos protagonistas cívicos etc.). 

Outra, consiste em, desde o primeiro contato , quebrar o tabu para compreender no Direito uma elaboração multifacetada e complexa, arraigada na sociedade e, acima de tudo, fruto de uma elaboração sócio-política. O que não quer dizer "relatividade" (detesto essa colocação: no Direito, "tudo é relativo"). Desculpa esfarrapada para a má formação e ausência de metodologia.

Gosto muito de iniciar as conversas com o/as aluno/as a partir da leitura de um texto muito interessante de Antônio Carlos Wolkmer sobre as relações entre sociedade, Direito e Estado, apresentando aos alunos e às alunas, pela primeira vez, algum conceito de Direito: afinal, os alunos e as alunas estão curioso/as em saber o que é o Direito... 

Ciência? Lei? Justiça?

O que ficou para reflexão após a leitura do mencionado fragmento - tomando por base o capítulo Sociedade, Estado e Direito (2003, p. 62-98): necessidade de adentrar as bases bases político-ideológicas do Direito, situadas no espaço, tempo e na conjuntura a partir dos quais os Estados elaboram seu ordenamento jurídico.

Ou seja, antes de "despejar" conceitos isolados (feitos numa espécie de bricolagem jurídica, típica dos manualecos de cursinhos preparatórios, textos remendados de facebook acéfalo), Wolkmer traça um sólido percurso, apresentando conexões entre os conceitos de Estado, Direito, sociedade civil, sociedade política, legalidade e legitimidade, não sem antes deixar assentado no ser humano o epicentro de um "mundo simbólico, linguístico e hermenêutico" (p. 62) que se projeta nas relações interpessoais e, para além delas, formula - em nível social - tensões e antagonismos.

A bem da verdade, ele busca - com sucesso - correlacionar, sobretudo, tais conceitos, para formular a compreensão de que o Direito é um instrumental repressivo, emanado de uma organização (Estado) composta, sobretudo, por um grupo hegemônico que se estabelece no poder (enquanto sociedade política):
Estado como poder político que objetiva a manutenção e a coesão de uma formação social marcada pela divisão e relação de forças entre classes, impondo-se por meio de um sistema de normas e preceitos (Direito), institucionalmente sancionadas, de teor repressivo e de classe” (WOLKMER, 2003, p. 80). 
Ou seja, seria inerente ao Direito (como um sistema de normas ou preceitos) espelhar interesses de classes (sobretudo as que define como hegemônicas, usando o conceito de Gramsci), dentro de um contexto marcado pelo antagonismo contínuo entre os protagonistas das relações de produção (isso dá um viés marxista ao conceito dele, ultrapassado, contudo, pela perspectiva anarquista sempre presente em Wolkmer).

E como essa "costura" se faz? 

Ou seja, como o Estado concentra essa legitimidade, ao ponto de produzir normas jurídicas revestidas de poder e autoridade? Wolkmer apresenta um percurso, traduzido nas relações entre sociedade civil, sociedade política e poder. 

Partindo da ideia de sociedade civil como o "conjunto de organismos , habitualmente chamados 'internos e privados'" (2003, p. 69) que exerce domínio e influência ideológica em vários campos e setores, bem como da sociedade política como a resultante jurídica do poder estatal coercitivo, Wolkmer percebe uma "identificação peculiar e entrelaçada" (2003, p. 70), inexistindo, assim, domínio de uma em relação à outra. 

Como isso se traduz no Direito? 

Simples: como acervo normativo (no sentido mais amplo de normas) elaborado pela sociedade política (Legislativo, quando elaborado pelas Casas, Judiciário, quando interpretado) que não estaria distante do que ideologicamente é alimentado pelos segmentos da sociedade civil atuantes, de maneira capilarizada, no sentido de reproduzir interesses do grupo

Essa é, por óbvio, uma construção pormenorizada do Direito entrelaçado à Política. Nesse sentido, Wolkmer abraça o entendimento de Gramsci sobre a intrínseca relação entre sociedade civil e política, materializada na atuação do Estado, garantidor da hegemonia do proletariado na "conquista do consenso" (p. 71). O que isso tem a ver com o Direito? Tudo, na medida em que uma das manifestações do Direito seja exata e pontualmente o repositório de preceitos e normas originárias do Estado!!

Assim, o Direito, em Wolkmer, haveria de corresponder ao que é confratado (elaborado) pelo Estado enquanto instituição ocupada por grupos hegemônicos que lá se estabelecem, dentro do jogo de antagonismos no qual se espera a renovação de grupos. Com isso advém a tônica da dinamicidade com a qual o Direito se renova com a renovação político-estrutural: a toda mudança política corresponde uma mudança jurídica

Apresenta, em itens pontuais, teses legitimadoras da supremacia estatal (Estado hegeliano como realidade ética a constituir um fim e a qual o indivíduo se submete), e da supremacia individual (desde os primeiros contratualistas - Locke, Rousseau e Hobbes, apesar de eu discordar e ver neste último um legitimador do Estado, sobretudo, monárquico - até os anarquistas como Godwin, Stirner, Proudhon, Bakunin e Kropotkine - todos perfilhados na ideia de se constituir o indivíduo como o fim último de toda a atividade estatal).

E como se dariam as relações entre Estado e indivíduos? Estado e sociedade? Para tanto, o autor apresenta mais à frente (p. 69-72), os conceitos de sociedade civil e política, a partir do diálogo com Antonio Gramsci. O italiano sustenta em um "bloco histórico"  (conjunto orgânico das relações entre estrutura e superestrutura) dois níveis de relações materiais: a sociedade civil, conceituada como o "conjunto de organismos internos e privados" que mobilizam as atividades ideológicas e culturais (p. 70) e a sociedade política, que representa o grupo hegemônico que exerce politicamente a força e a coerção (por meio, inclusive, do Direito. 

A sociedade civil tende, dentro desta divisão, a se projetar em vários ramos do conhecimento (Artes, Direito, Religião, Economia), irradiando ideologicamente seus valores, tendendo, com isso, a se alojar no político, de modo a elaborar, já como sociedade política, leis e as interpretar. Com isso, para ele, há uma manutenção da classe dominante no monopólio coercitivo, a partir das relações firmadas entre a sociedade civil e a política (p. 71).

A amálgama do poder para essa "costura" - segundo Wolkmer - estaria bem explicado no conceito foucaultiano de poder capilarizado, exercido em uma tessitura por todos os indivíduos, e não unilateralmente pelo Estado. Daí apregoar, inclusive, no texto, a ambivalência do estado como uma organização "política, que visa manutenção e coesão", bem como a "regulamentação da força em uma formação social determinada" (p. 74). 

O poder, assim, deixa de ser olhado sob o plano meramente formal, como apenas tributo estatal, para, em Foucault, ser percebido como um emaranhado de relações, micro relações que trazem a coligação entre classe hegemônica, sociedade civil e sociedade política, em uma circularidade que acaba reproduzindo a ideologia a servir de base para a elaboração jurídica. 

Uma pergunta se faz necessária: como essa tessitura (rede capilarizada de poder que leva o projeto hegemônico de uma classe ascender de civil à política?). Wolkmer justifica explicando os conceitos de legalidade e legitimidade (p. 80-82). Para ele, é necessário haver uma confluência entre legalidade (submissão a uma estrutura normativa (leis, regras) posta, vigente e positiva, conceito próprio do campo jurídico) e legitimidade (adequação entre o conteúdo e o sentido consentido pela comunidade). 

Ou seja, a despeito de a legalidade nos encaminhar formalmente para a elaboração de uma norma formal, universal, elaborada pelo órgão competente, de acordo com o rito específico, torna-se necessário um consenso em torno do respaldo social à norma, que se espera espelhar os valores deliberativamente discutidos em sociedade.

Ou seja, o respaldo baseia-se na credibilidade da norma, a partir da chancela que a sociedade lhe confere, quando por ocasião de debates em torno do tema. A legitimidade supõe consensualidade dos ideias, fundamentos, crenças valores e princípios ideológicos. 

Exemplos? 

Inúmeros. Casamento homoafetivo, que foi precedido de um debate amplo, com a exposição de vários posicionamentos, até repercutir na lei. Descriminalização do uso de cannabis para fins terapêuticos, tema que está sendo diuturnamente debatido, aborto etc. 

Após todas essas relações, Wolkmer se encaminha para a finalização do texto, apresentação o que, para ele, constitui uma crise do paradigma clássico de representação (p. 89-91), acentuando alguns pontos e desmistificando outros. Acentua os problemas enfrentados por um sistema político-jurídico tradicional e clássico, inábil a lidar com novos protagonistas de direitos (justamente porque encara o Direito como um sistema normativo estritamente formal). 

Além disso, apresenta o esgotamento de ideologias que outrora alimentavam as classes hegemônicas em seu embate pelo acesso ao monopólio jurídico-normativo (socialismo versus capitalismo), quase sempre alicerçado no que o autor chama de "fetichização da capacidade popular" (p.92)  (aquela crendice que "brasileiro não sabe votar", "brasileiro é analfabeto político" e outros mantras que desqualificam o povo como protagonista de sua história como participante ativo da sociedade civil. 

Aponta outros: "descumprimento de programas de Governo, corrupção da classe política, declínio de setores sociais, complexidade das demandas e na especialização técnica, influência dos meios de comunicação" (p. 92). Diante dessa realidade, aponta o autor, por fim, a ruptura com o conceito liberal ou burguês de cidadania (que alimentava a elaboração jurídica tradicional e alimentava uma interpretação do Direito também tradicional) para entendê-la, sobretudo, como prática social, "conquista, construção, exercício cotidiano" (p. 98). A ideia de "um conceito de Direito" cede, dentro disso, espaço para a experienciação de um Direito protagonizado pelos membros da sociedade, em um dinamismo que se renova diuturnamente.

domingo, 8 de março de 2015

Ser mulher no séc. XXI: múltiplos olhares

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Data do Evento
12/03/2015, das 10:00 às 11:30
Endereço
Auditório Elza Moreira Lopes (Bloco 3) 

SEPN 707/907 - Asa Norte - CEP 70790-075 - Brasília-DF 
Informações: (61) 3966-1200

Estarei lá participando de uma mesa redonda, desenvolvendo o tema FEMINISMO.

O machismo nosso de cada dia...


No dia 05 de março, quinta-feira, participei de uma entrevista sobre o machismo. Perguntas básicas, a exemplo de se ponderar sobre o machismo como atributo partilhado entre as mulheres, aumento de violência no DF etc.

Achei interessante o momento, para desmistificar algumas quimeras quixotescas. "A mulher é machista", eis a provocação. Não, a mulher - genericamente considerada - não é machista. Isso seria negar até mesmo o trabalho de todas as mulheres engajadas nos movimentos feministas e de mulheres. 

Existem mulheres que reproduzem o modelo machista, mas seria leviano dizer que todas as mulheres do mundo são machistas. Aliás, seria reafirmar o machismo, desqualificando-se a mulher como protagonista de sua história. 

"A Lei Maria da Penha" aumentou a violência doméstica contra a mulher no DF. Não, não foi a lei que aumentou o número de casos de violência doméstica. Aliás, tenho resistência em acreditar que exista número de casos, quando, a bem da verdade, vejo existir um aumento de registros, reduzindo-se a cifra oculta de outrora. 

Ainda fiz alguns comentários sobre o machismo institucional e estrutural, deixando clara a ideia de ser necessária uma mudança sem precedentes na mentalidade da sociedade brasileira. Simples assim.