domingo, 16 de fevereiro de 2014

Paradigmas jurídicos e político-criminais no direito penal

Nada é mais fácil do que censurar um malfeitor. Nada mais difícil do que entendê-lo” 
Dostoiévski

Sempre que buscamos uma "legitimidade" para a intervenção penal, bem como limites para sua aplicação usualmente nutrimos uma curiosidade em saber como o direito penal se articula com uma base de sustentação. Nesse contexto, falar sobre "escolas penais" (ou "modelos penais") nos encaminha aos 
modelos político-criminais e pensamentos filosóficos nos quais a punição se contextualizou ao longo da História e que fornecem algumas bases nas quais a doutrina, lei e jurisprudência haurem sua forma peculiar de interpretar o direito penal. 

Qual a importância disso? Simples: minuciar o/a operador/a do direito de instrumentais teóricos para que possa contemplar as opções ideológicas responsáveis pela sua formação político-jurídica. Mas, para tanto, entendo ser necessária uma observação não muito usual no campo jurídico [uso a nomenclatura de "campo jurídico" no sentido bourdieuniano de saber institucionalizado e altamente marcado por hierarquia]: o cuidado com a anacronia. Vou explicar melhor com um exemplo de sala de aula.

Muitas vezes em sala, ao conversar sobre a Escola Clássica do século 18, somos tentado/as a olhar para seus postulados com "os olhos de hoje", ou seja, descontextualizando a escola de sua base histórica peculiar à época - século 18 - que, por certo, tem fundamentos muito diferentes das realidades nas sociedades ocidentais pós-modernas (séculos 20 e 21). 

Olhar para trás é importante para a compreensão de como as sociedades enfrentavam o crime e articulavam a doutrina penal para tanto (diacronia), mas, de outra sorte, não pode ou deve ser tomado esse olhar como ponto central para se pretender contextualizar o hoje em postulados de outros momentos históricos.

Acredito que esse seja um dos grandes problemas das "teorizações" feitas em termos de direito penal: buscar no que passou justificativa e resposta para lidar com a criminalidade no hoje, o que acarreta o óbvio: inadequação dos instrumentos político-criminais para a escolha de como o controle social punitivo será feito, bem como uso de doutrinas ultrapassadas (a exemplo do causalismo e, no tempo devido, do finalismo penal). 

Escola clássica, humanista ou iluminista do Direito Penal contextualiza-se no séc. XVIII, momento histórico de livre pensamento e racionalidade (Século das Luzes), assentado em uma base de busca de liberdade de comércio, fronteiras, alargamento da influência burguesa (sugiro a leitura de Max Weber em Ética protestante e o espírito do capitalismo). 

O ponto central reside no conceito de livre arbítrio e pacto social (contrato burguês) baseado na ideia de igualdade formal (transpondo-se a noção medieval de honra para o paradigma universalista de dignidade) que levava os indivíduos a cederem espaços de autonomia para a institucionalização de um Estado a regrar a sociedade. 

O direito penal seria uma mera decorrência, pois, dessa consolidação burguesa de tutela de liberdades. Para a mencionada escola, o direito penal estaria voltado ao estabelecimento de regras claras para limitar o poder punitivo do Estado em contraponto aos suplícios ilimitados praticados no Antigo Regime [aqui vale a pena frisar essa inversão dialogando com Michel Foucault em Vigiar e Punir. Analisando o poder punitivo estatal na Idade Média, Foucault deixa claro nos suplícios bem como na pena - uma forma de reativar o poder, e não em empreender justiça. Às vésperas das grandes revoluções burguesas o que se buscava - ao menos por parte de uma burguesia que desejava paridade de tratamento em face da aristocracia e realeza - era reduzir a atuação do Estado, especificando em leis claras quais seriam os crimes passíveis de punição, e não mais a definição feita segundo costumes reais, dos quais plebe e burguesia eram alijados enquanto súditos]. 

Ao lado de grandes nomes como Montesquieu e Rousseau (que inspiraram tradições jurídicas distintas de contratualismo e reflexões no direito penal nos EUA e França respectivamente), Cesare Beccaria, autor pouco original do livro Dos delitos de das penas (1764), propôs uma reforma do direito penal vigente para uma concepção mais humanizada, por meio da orientação do fim da pena voltada para evitar que o criminoso cause novos males (prevenção especial), e não para o suplício. Além disso, pugnou por leis claras, maior proteção à liberdade, abolição da tortura e limitação da pena de morte, fundamentando em uma retórica iluminista as razões pelas quais entendia ser legítima a intervenção penal por meio da pena: 
Assim sendo, somente a necessidade obriga os homens a ceder uma parcela de sua liberdade; disso advém que cada qual apenas concorda em pôr no depósito comum a menor porção possível dela, quer dizer, exatamente o necessário para empenhar os outros em mantê-lo na posse do restante. A reunião de todas essas pequenas parcelas de liberdade constitui o fundamento do direito de punir. Todo exercício do poder que deste fundamento se afaste constitui abuso e não justiça; é um poder de fato e não de direito; constitui usurpação e jamais um poder legítimo. (1994, p. 15)
Muitas críticas foram e são feitas ao Marquês, desde plágio em relação à obra de Montesquieu [o que efetivamente percebi em vários momentos lendo O Espírito das Leis] até inconsistência filosófica, já que não aprofunda nos pilares para sustentar suas ideias [aliás, nessa época já era possível isso, pois Montesquieu, por exemplo, bem como Maquiavel dão interessantes e balizadas contribuições jus-políticas]. 

Não se pode deixar de considerar, ainda, que Beccaria propõe a estruturação de um direito penal burguês e liberal, feito para a proteção de bens jurídicos da burguesia emergente, e não para todos em coletividade. Com isso, estruturou uma formulação pragmática da pena e do direito penal (economia), articulando o direito penal articulado para proteger interesses de quem detinha bens jurídicos (crítica marxista) (Baratta, 1999, p. 33).

A obra de Beccaria somou-se - no âmbito da instrumentalização do direito penal - à elaboração de modelos penitenciários baseados na lógica da economicidade, a exemplo do panóptico de Jeremy Benthan, construção concêntrica e vigiada por um número mínimo de pessoas. 

Fonte da figura: http://www.infoescola.com/
A "lógica" do panóptico consistia, segundo Michel Foucault (Vigiar e Punir), na  substituição dos suplícios (forma de reativar o poder real, e não estabelecer justiça) corporais para o acesso e trabalho na mente, por meio da vigilância em todos os pontos visíveis do modelo,  com menor dispêndio de efetivo pessoal, otimização da vigilância hierárquica e  permanente visibilidade dos indivíduos. Com isso o funcionamento automático do poder” (p. 166) poderia ser feito de forma desindividualizada.

Vale a pena outra análise do modelo penitenciário... No livro Manicômios, prisões e conventos, Erving Goffman trabalha a ideia de instituição total como
local de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada (1974, p.11).
onde a tônica era a desprogramação do humano, por meio da desumanização praticada pela autoridade a objetalizar ou reificar o recluso (não chamar pelo nome, e sim por número ou por alcunha, obrigar o preso a não encarar a autoridade, bem como a olhar para baixo etc.). 

Escola Positivista elaborou uma crítica ao paradigma liberal clássico, despontando no  fim do séc. XX, fortemente embalada por teorias evolucionistas que buscavam a explicação das causas (etiologia) do crime. Tal escola encontrou apoio na discussão sobre a ineficácia do sistema penal e da filosofia da Escola Clássica na repressão à criminalidade, razão pela qual seria necessário saber, por meio de estudos antropológicos, a "causa" do crime. 

Para os positivistas o crime era uma doença (atavismo) que merecia devido tratamento” a partir da identificação da degeneração, por meio do método dedutivo "neutro", da empiria e da catalogação de quem manifestava tal anomalia. Os positivistas negavam o livre-arbítrio e se firmavam no determinismo e na crença na previsibilidade fenomenológica (cometimento do crime seria uma "questão de tempo"). 

Positivista mais famoso, o médico Cesare Lombroso, autor do livro O homem delinquente (1876), foi precursor do método empírico, elaborando o conceito de criminoso nato, que sustentou sua teoria do atavismo, na qual propôs uma etiologia do crime no próprio delinquente, fortemente marcada no determinismo biológico e na predestinação. Realizando uma catalogação de mais de 6 mil casos, Lombroso ligou o crime a um estigma hereditário, identificando "criminosos" a partir de assimetrias no rosto, corpo e tatuagens.

Fonte da foto: http://3.bp.blogspot.com/
Enrico Ferri também refuta o livre arbítrio, mas compreende o crime a partir de um espectro maior de causas determinantes: individuais (orgânicos e psíquicos), físicos (clima, temperatura) e sociais (família, moral, religião, educação). Para ele “ser” criminoso era propriedade da pessoa e, ante essa inexorabilidade era necessário o sacrifício dos direitos individuais, da segurança jurídica, e da sentença determinada para se evitar a eclosão do delito. 

Raffaele Garofalo desenvolveu o conceito de delito natural, entendido como lesão a algum sentimento arraigado no espírito humano, que forma o sentido moral (sentimentos altruístas fundamentais). A despeito da criação de tal categoria, Garofalo foi conhecido por um forte sentimento etnocêntrico (superioridade de raças), alojando para o que compreendia como raça inferior a anomalia psíquica ou moral a motivar o crime. Com isso, a filosofia do castigo visava a eliminação do indivíduo que não se adaptava à sociedade (visão de defesa radical da ordem). 

Se, por um lado, a Escola Positiva buscou a empiria como uma forma para estudar as condições em que se alastrava a criminalidade (o que poderia trazer uma intervenção penal interessante, já que baseada em relatos empíricos e reais, e não em especulações filosóficas), por outro militam várias críticas: inexistência de neutralidade axiológica, erro na interpretação dos dados e na tentativa de método, patologização do crime, rotulação (labelling approach) dos indivíduos, objetivo de expurgo do criminoso do convívio da sociedade, percepção do delito como realidade pré-constituída, e não resultado de processo de criminalização.

Outro paradigmas - já mais dogmáticos - sucederam-se no tempo, a exemplo de Kant, para quem o crime correspondia a uma conduta atentatória ao imperativo categórico do "não fazer" (acarretando, assim, uma retribuição ética ao crime), bem como de Hegel, para quem o crime consiste na negação ao direito, demandando a pena a negação da negação do direito (para que o direito negado pudesse ser recomposto - dialética hegeliana). 

Merkel, Carnevale e Liepmann introduziram a noção de imputabilidade moral do indivíduo ante a opção pelo delito, bem como Carrara trouxe a necessidade de uma definição jurídica para crime (e não uma concepção sociológica). Von Lizst ligou individualidade e personalidade à atribuição de pena ao crime cometido, separando, ainda, prevenção geral, destinada irrestritamente aos membros da sociedade da prevenção especial, disposta a posteriori, direcionada ao criminoso. 

Esses paradigmas europeus, diga-se de passagem, atravessavam o oceano para embalar fortemente a produção legal e doutrinária no Brasil, principalmente no que diz respeito à Escola Positiva, de onde podemos extrair a literatura sobre teorias raciais do médico Raimundo Nina Rodrigues, fortemente embalada pelos trabalhos de Cesare Lombroso. Deixei acima a marcação para a leitura de um texto interessante sobre ele. Independente da ideologia, importante considerar criticamente seus postulados. 

O "jeitinho brasileiro" de punir: das mazelas coloniais ao Código Penal em plena reforma

Fonte da imagem: http://c8.quickcachr.fotos.sapo.pt/i/b2c0626b3/7959532_zOBsn.jpeg

“Arriscar-se no sentido mais amplo é precisamente tomar consciência de si próprio”
Soren Kierkegaard

Dialogando com Kierkegaard coloco-me sempre na berlinda em relação a buscar me contextualizar em determinado momento histórico, para, nessa dialógica (ou seja, na interação entre o "eu" e a alteridade [o ambiente]) possa eu, não sem dificuldade, refletir um pouco mais sobre o direito. Mais especificamente sobre o direito penal.

Mais atrás falei sobre esse anacronismo, exemplificando com o termo "vingança" (pública ou privada), inadequado para alcançar as práticas punitivas de outros povos - bárbaros - na medida em que esse seja predominantemente um olhar etnocêntrico e romanizado para instituições e institutos de outras culturas (repleto de preconceito e ausência de adequada compreensão). 

Com isso me pergunto sempre: Direito penal brasileiro? Que direito penal brasileiro? De que direito penal brasileiro estamos falando? O que, afinal, significa isso? Como teria sido elaborado nosso ordenamento jurídico penal?

Ou, ainda, "nossa"  doutrina? Jurisprudência? Qual herança trazemos para a maneira com a qual pretendemos "racionalizar" e "equacionar" uma doutrina penal que defina juridicamente quais comportamentos humanos são catalogados como criminosos e passíveis de imputação penal?

Mas à frente - bem mais, mas se eu me esquecer disso alguém me lembre - procurarei demonstrar que inexistem critérios científicos, precisos ou objetos, pois além do positivismo não produzi-los, nenhuma outra sorte de escola jurídica o faz adequadamente, já que a seleção do que é considerado crime é um critério político, bem como as chamadas "teorias do crime" (que não são teorias, mas doutrinas) uma profissão de pura fé dogmática que se diferencia de autor para autor apenas em um nominalismo para distinções meramente acadêmicas. 

Sou reticente em relação à utilização da referência "direito penal" a ambas (doutrina e/ou jurisprudência), pois não percebo produção brasileira em relação à dogmática penal desde a remota era de ocupação territorial até as formulações pós-modernas, na medida em que nos utilizamos de referenciais estrangeiros para definição de critérios quanto à ontologia do crime, especificamente, à montagem de uma doutrina do crime. 

Recuso-me a falar, destoando dos colegas doutrinadores, em "teoria" do crime, por entender que no Direito inexistem teorias, e sim doutrinas - já que teoria supõe estruturação em face de hipóteses que podem ser refutadas, ao passo que doutrinas são corpos de pensamento que não comportam falseabilidade ou até mesmo questionamento quanto às premissas, o que não ocorre na tradição jurídica brasileira, que acaba, ao meu ver, trazendo uma discrepância entre conhecimento e ação.

Outra crítica sempre relevante em relação à elaboração de um Direito genuinamente brasileiro (quer seja por parte da doutrina ou, ainda, por uma "racionalização" jurisprudencial) remonta à ideia de acionamento de doutrinas estrangeiras, o que dá aporte ao etnocentrismo (ou seja, a compreensão de que nossos valores são superiores aos valores de outros povos e culturas). 

Na tradição jurídica brasileira, essa bricolagem fica mais nítida a partir da mescla entre direito português (que agrega, por sua vez, a herança do direito romano, grego, germânico, canônico), práticas coloniais punitivas severas, autolegitimadas e autocráticas (juízes de fora e donatários) e práticas das sociedades indígenas, todas contextualizadas numa estrutura colonial na qual inexistiam organização ou regras claras de imputabilidade e definição escorreita do que era considerado crime, dando azo a despotismos, autocracias, desmandos que encaminhavam a punição para a intimidação feroz (para que os casos sirvam de exemplo).

Lembrando sempre dessa contextualização, o/as destinatário/as da punição no Brasil eram o/as negro/as, o/as indígenas e o/as degradado/as vindos de Portugal, submetido/as às legislações vigentes na metrópole, sempre "temperadas" pela dissintonia com a qual os juízes de fora aplicavam, ao seu bem-prazer, as leis e as penas nesse país. 

Nossa "herança" portuguesa inicia-se no Codex Legum, o primeiro corpo de leis elaborado em 693 d. C a partir de um direito penal feroz, vingativo, intolerante e religioso [lembrando aqui que Portugal acolhe a vaga romanística de cristianização, sendo um dos países mais ferozes na perseguição do/as hereges e tido/as como pagão/ãs]. 

As Ordenações Afonsinas (1446), elaboradas à época de Afonso V previam pena de morte, crueldade na aplicação da pena e forte influência do clero. As Ordenações Manuelinas (1521) da época de D. Manuel I previram e instalaram a inquisição e a tortura. Por fima, as Ordenações Filipinas (1603), elaboradas sob a ocupação espanhola em Portugal (e consequentemente no Brasil) impulsionaram a fúria religiosa contra criminoso/as. 

Até 1822 ficamos imerso/as em uma mescla de legislações que perpetuaram até 1830, quando foi promulgado o Código Penal (1830) com forte influência iluminista (tanto da tradição francesa como do republicanismo estadunidense), abolindo a tortura (açoite, ferro quente), institucionalizando a reparação do dano, o princípio da anterioridade, liberdade mitigada, bem como proibindo a condenação por autoria presumida.

Manteve, contudo, a pena de morte, pena de galés com a calceta no pé, a corrente de ferro, bem como o trabalho forçado, o  banimento do país, o desterro e o açoite para réu escravo, refletindo, com isso, as contradições de um sistema de governo e uma sociedade escravagista e conservadora que pretendia ser vista como liberal em termos de sistematização de direitos. 

O Código de 1890, por sua vez, foi marcado por uma forte influência positivista, tendo sido muito criticado por manter a base conservadora de suas linhas centrais, já que seu nascedouro se deu em um contexto supostamente "republicano", mas que refletia o acessoem uma base militarizada e hierarquizada (incongruente até com os pilares do republicanismo que tanto inspirou o movimento). A título de exemplo, foi proibida a capoeira, institucionalizada a pena de prisão com trabalho, bem como mantida a pena de morte, as galés e a prisão perpétua. 

O Código de 1940 foi marcado por uma forte influência alemã, sendo tomizado em uma parte geral e outra especial. Houve uma modificação das modalidades de sanção, para abrigar multa, bem como foram abolidas as penas degradantes. Estruturou-se a teoria de aplicação da lei penal, do crime e da pena, com ênfase na inspiração da doutrina finalista, que estava em voga na Europa. Algumas reformulações posteriores foram feitas, destacando-se a de 1984, que não apenas modificou o Código, mas contemplou a elaboração da Lei 7.210/4 (Lei de Execução Penal). 

O PLS 236/2012 trouxe algumas mudanças. Não listarei todas, pois a lista é ampla, mas ela pode ser vista no site do Senado Federal, de acordo com o link. Basta clicar no PLS anterior para ter acesso ao inteiro teor. O rol exemplificativo: 


  1. punibilidade para indígena;
  2. responsabilidade penal da pessoa jurídica em relação aos crimes contra a administração pública, ordem econômica, o sistema financeiro, bem como as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente;
  3. obrigatoriedade de realização do exame criminológico;
  4. aumento no rol de crimes considerados hediondos: redução à condição análoga à de escravo, tortura, terrorismo, financiamento ao tráfico de drogas, racismo, tráfico de pessoas, crimes contra a humanidade (contexto de "ataque sistemático dirigido contra a população civil, num ambiente de hostilidade ou de conflito generalizado, que corresponda a uma política de Estado ou de uma organização”);
  5. previsão do instituto da barganha para abreviar a pena condições;
  6. ampliação da delação premiada para todos os crimes; 
  7. previsão da eutanásia, com possibilidade de perdão judicial;
  8. aborto autorizado até a 12ª semana (vontade de gestante), quando for atestado (por médico ou psicólogo) que ela não tem condições psicológicas de ser mãe (arcar com a maternidade); no caso de risco à vida ou à saúde da gestante; no caso de gravidez resulta de violação da dignidade sexual; ante o emprego não consentido de técnica de reprodução assistida; em caso de anencefalia comprovada ou quando o feto padecer de graves e incuráveis anomalias que o impeça de sobreviver fora do útero (vida extrauterina), em ambos os casos atestado por dois médicos (art. 128);
  9. tipificação da perseguição obsessiva ou insidiosa, caracterizada pela conduta de perseguir alguém, de forma reiterada ou continuada, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica;
  10. tipificação do bullying e do cyberbullying cometido contra crianças e adolescentes; 
  11. aplicação exclusiva de multa para o furto, se o agente for primário e a coisa furtada tiver pequeno valor;
  12. extinção da punibilidade no furto simples ou com aumento de pena, se houver reparação do dano, aceito pela vítima (a vítima precisa aceitar a reparação), até a sentença de primeiro grau;
  13. ação penal pública condicionada à representação; 
  14. equiparação à coisa móvel do documento de identificação pessoal, da energia elétrica, da água ou do gás canalizados, do sinal de televisão a cabo ou de internet ou de item assemelhado que tenha valor econômico;
  15. no caso de violação de direito autoral, a reprodução integral de obra intelectual, fonograma (música gravada – discos) ou videofonograma (é a música associada a imagens – vídeo musical – filmes e vídeos), em um só exemplar, para uso privado e exclusivo do copista, sem finalidade de lucro – NÃO SERÁ CRIME; 
  16. redefinição do tipo penal do estupro, simplificando a redação para prática de ato sexual: vaginal, anal ou oral”;
  17. molestamento sexual e manipulação e introdução sexual de objetos serão tipificados; 
  18. no estupro de vulnerável reduziu-se a idade de vítima de 14 para 12 anos;
  19. embriaguez ao volante será tipificada como crime, com pena de prisão de um a três anos, sem prejuízo da responsabilização por qualquer outro crime cometido. No caso, a prova poderá ser feita por intermédio de prova: exame clínico, testemunhas, vídeos, fotos e contraprova (bafômetro ou de exame de sangue);
  20. racha“ ou “pega” será tipificado, com pena de 4 a 8 anos;
  21. os cybercrimes serão tipificados, sendo considerados como tais os acessos sem autorização ou indevida a sistema de informática, com aumento de pena no caso de divulgação ou utilização indevida das informações e sabotagem informática. O projeto ainda conceituou sistema informático, dados informáticos, provedor de serviços e dados de tráfego;
  22. previsão de descriminalização (exclusão do crime) das drogas para uso pessoal, com a presunção do uso pessoal em cima das seguintes variáveis: consumo médio individual de cinco dias; grau lesivo da droga; estipulação pela Anvisa e avaliação da situação concreta da pessoa, sua conduta no momento e circunstâncias sociais e pessoais;
  23. no caso de uso ostensivo de drogas em lugares públicos próximos a escolas ou em outros locais de concentração de crianças ou adolescentes ou na presença destes (mesmo em ambiente privado) o infrator poderá receber uma reprimenda de advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade ou medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo;
  24. tipificação dos crimes de associação criminosa, organização criminosa e organização miliciana;
  25. criminalização de perturbação do sossego, jogos de azar e jogo do bicho;
  26. criminalização do enriquecimento ilícito de funcionário público;
  27. criminalização de abandono e maus-tratos a animais;
  28. previsão de tráfico de pessoas, nacional ou internacional, para a exploração sexual, para o trabalho forçado ou qualquer trabalho em condições análogas à de escravo e para remoção de órgãos, tecidos ou partes do corpo da pessoa traficada (comercio de órgãos);
  29. criminalização mais abrangente para racismo e discriminação: por gênero, orientação sexual e procedência regional ou nacional, sendo  imprescritíveis, inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia (alteração na Lei 7.716/1989).
  30. criminalização do escarnecimento e vilipêndio de cerimônia, rito, costumes ou tradições indígenas, bem como a venda de drogas e bebida para indígenas.
A reforma vem em um momento de muita turbulência, sendo que o anteprojeto tem recebido severas críticas de vários grupos de estudos criminológicos e político-criminais, pela previsão de utilização mais contundente do direito penal (intervenção penal mais severa). Em relação a tais tendências, prefiro postar algo mais substancial mais tarde, ocupando-me, por agora, de apontar as modificações. Como gosto que provocar as mentes inquietas, contento-me em reproduzir parte da letra da música Índios de Renato Russo:

“(...)
Quem me dera, ao menos uma vez,
Ter de volta todo o ouro que entreguei a quem
conseguiu me convencer
Que era prova de amizade
Se alguém levasse embora até o que eu não tinha. 
Quem me dera, ao menos uma vez,
Esquecer que acreditei que era por brincadeira
Que se cortava sempre um pano-de-chão
De linho nobre e pura seda. 
Quem me dera, ao menos uma vez,
Explicar o que ninguém consegue entender:
Que o que aconteceu ainda está por vir
E o futuro não é mais como era antigamente. 

Quem me dera, ao menos uma vez, 
Provar que quem tem mais do que precisa ter 
Quase sempre se convence que não tem o bastante 
E fala demais por não ter nada a dizer 
Quem me dera, ao menos uma vez, 
Que o mais simples fosse visto como o mais importante 
Mas nos deram espelhos 
E vimos um mundo doente. (...)”
Renato Russo