terça-feira, 25 de setembro de 2012

Por uma nova OAB/DF AGORA!!!!


Estou compartilhando a imagem emblemática da instalação da CENTRAL DE ATENDIMENTO À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, que se deu na data de ontem, dia 24 de setembro, a partir das 15h00, contando com a participação, compondo a mesa, dos Desembargadores Mariosa, Belinatti, juízes Bismarck, Ben-Hur (idealizador do projeto originário), bem com a representante da Secretaria de Enfrentamento à Violência, Aparecida Amância, além da presença de Ilza Queiroz representando o Governador. 

Adorei a fala das mulheres, principalmente de Olgamir Amância, que desnudou um paradoxo em relação à violência doméstica, chamando a atenção para a necessidade de se observar a demanda da pauta dos movimentos de mulheres e feministas, no sentido de bradar pela responsabilização do ofensor, que poderia quedar alijada ante uma predileção pela composição lastreada no que tomo como perspectiva tradicionalista de se encampar algum acordo em "nome da família" e da "pacificação social" [por entender nessa dimensão uma perversa via de mantença de estereótipos discriminatórios e fomentadores da violência física e simbólica].

Essa fala de equalização de gênero e ofertamento de vias de acesso à justiça - que não me é indiferente ou novidade [dada minha formação em política de gênero] - trouxe à baila uma ponderação sobre a necessidade de incrementar - em nível de atuação institucional - de uma perda de timidez, por parte da OAB/DF, em relação a se discutir, com amplo espectro e de maneira democrática [ou seja, com participação direta, enviando e-mails para as advogadas e os advogados que militam em questões de gênero e diversidade. 

Nesse aspecto, não tecendo críticas à atual gestão (aponto, inclusive, a sempre respeitosa presença da Conselheira representante da OAB/DF, Maria Cláudia) , mas refletindo, "para além dela", a urgente necessidade de aprimorar institucionalmente as vias em prol da mulher], dentro da Casa (OAB/DF), tenho como premente - sob pena de incorrermos em quedar na contramão da História - o incremento dos seguintes pontos:

1-necessidade de aprimoramento institucional de uma política inclusiva de gênero, por meio da alocação da OAB/DF - capitaneando advogados e advogadas com perfis de responsabilidade social - em torno da instalação, em cada fórum, de um núcleo de atendimento à mulher em situação de violência doméstica ou, no mínimo, que seja alocada para o Núcleo Bandeirante [que é projeto PILOTO NO BRASIL, sendo a via do olhar projetado da ONU/PNUD para a Lei 11.340/06, que é a TERCEIRA MELHOR LEGISLAÇÃO MUNDIAL EM ENFRENTAMENTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA], para que seja efetivamente cumprida a norma programática constante do art. 133 da CF/88, mormente em se considerando a OBRIGATORIEDADE que a Lei Maria da Penha traz em termos de vincular a presença, em todos os atos, de um/a advogado/a para acompanhar a mulher. 

2- necessidade de efetivar uma política institucional profilática e preventiva em termos de conscientização da coletividades rurais, bem como do entorno, em relação ao esclarecimento sobre o conteúdo da violência doméstica e contra a mulher no DF. Nesse sentido, até sugeriria que a OAB/DF disponibilidade uma capacitação de GÊNERO interna corporis, para que as membrAs [neologismo cuja licença poética me permite fazer, até em prestígio à PresidentA, que foi quem mais fez pela equalização de gênero até hoje, a começar pelo exemplo, ou seja, de SER/ESTAR PRESIDENTA], ou seja, as advogadas, os advogados, conselheiras e conselheiros, todXs, possam se inteirar do tema, para que uma política de cotas seja progressivamente substituída pela inclusão, em cada Comissão, de tantas advogadas quantas forem as interessadas em agregar um projeto diretor de política de gênero.

3-necessidade de promoção, por via da realização de palestras, seminários, congressos e workshops, de uma conscientização participativa e de responsabilidade social pró-gênero, para que Comissão se integre nos projetos que vêm sendo desenvolvidos em nível federal e distrital, por meio de efetivas parcerias.

3-elaboração de uma cartilha explicativa (tanto em nível interno, como para as comunidades de base) comprometida com uma AGENDA DE DEMANDAS FEMINISTAS, aglutinando-se as tendências dos movimentos de mulheres e feministas que hoje estão presentes na OAB/DF mas que eventualmente estão invisibilizado/as em face da predileção de um modelo universalista de assistência à mulher, que parte de um estereótipo essencialista, que exclui dos processos políticos - ex vi, a discussão paritária nas comissões, aglutinando-se nas ágoras as colegas militantes. 

4-fomento de parcerias com as instituições para viabilizar um diálogo em torno da sensibilização das instituições no tocante à modificação das grades e os fluxos de curso em consonância com as necessidades inclusivas de gênero.

Essas SÃO MINHAS SUGESTÕES - para que ninguém se aproprie delas conclamando serem de titularidade dessa ou de outra gestão na OAB/DF - em torno delas concito à reflexão todo/as colegas, pois, considerando o pontuado acima, penso que ainda estamos (exponho tudo isso de um confortável lugar de fala, como professora, pesquisadora, ativista e advogada militante em torno de políticas de gênero) muito, mas muito longe do que a ONU dimensiona para sairmos do 7o. lugar do ranking de violência doméstica.


MUDA, OAB/DF!!!!

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

O que é esse tal de puerpério, por favor???

As últimas semanas foram extremamente produtivas em sala de aula, porque nos debruçamos na análise do tipo penal do infanticídio, descrito no artigo 123 do CPB, a partir da exegese dos seus elementos constitutivos. A "bola da vez" foi o famoso estado puerperal, figura que assombra quem se dedica ao estudo regrado do tipo penal do infanticídio.

O Cadastro Interacional de Doenças (CID) traz o capítulo relacionado às complicações do parto e nossos problemas começam aqui, pois, lendo o cadastro, nessa parte, em especial, observamos não existir sequer menção ao que está colacionado no art. 123 do CPB sob a alcunha de "estado puerperal". 

Primeiro porque no CID 10, bem como na medicina, puerpério é um processo ou estado de transformações decorrentes da preparação do corpo da mulher para o exercício da maternidade. Ele começa, a rigor, da nidação do óvulo na parede do endométrio, pois é nesse instante que todo o sistema orgânico (fisiológico, emocional, hormonal etc) feminino passa a se transformar. Segundo porque estado puerperal não é taxonomicamente definido do doença - pois envolve uma gama de perturbações. Daí não existir consenso sequer em relação à sua efetiva existência enquanto entidade ôntica. 

Mas, então, o que fazer diante do tipo penal que traz uma expressão tão duvidosa? 

Primeiro entendê-la não como pontualmente uma espécie de patologia pontual e específica, mas a resultante de um conjunto de transformações fisiopsíquicas de que se acomete a mãe durante todo o contexto de sua gravidez e que eclode a partir do parto, que traz uma intensidade de sentimentos, sensações e dor. stado puerperal

Para ROGÉRIO GRECCO   “[...] tem-se entendido que o chamado estado puerperal não é tão-somente aquele que se desenvolve após o parto, incluindo-se nesse raciocínio o período do parto e também o sobreparto. Durante esse período, a parturiente sofre abalos de  natureza psicológica que a influenciam para que decida causar a morte do próprio filho [...] Entretanto, para que se caracterize o infanticídio, exige a lei penal mais do que a existência do estado puerperal, comum em quase todas as parturientes, algumas em menor e outras em maior grau [...] Assim, o critério adotado não foi o puramente biológico, físico, mas sim uma fusão desse critério com o outro, de natureza psiocológica, surgindo daí o critério chamado fisiopsíquico ou biopsíquico [...]” (Curso de direito penal: parte especial. 6. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009. p. 218-219). (grifei)pressupondo uma convergência, ao final, num arrebate ou lampejo,  rumo à ocisão da vida do nascente ou do neonato. 

Uma linha qualitativa é necessária ser descrita em termos de perturbações inerentes ao parto, diferenciando-se estado puerperal de depressão pós-parto, melancolia pós-parto e de psicose pós-parto

Entendo na psicose pós-parto, escoimando-me na literatura médico-legal, uma conjuntura capaz de produzir mudança de perspectiva em relação à própria noção de realidade, com a perda - segundo escalas - de discernimento em relação à conduta, de modo a atrair, grosso modo, a declaração de inimputabilidade total (art. 26 do CPB), ou, ainda, de parcial (art. 26, parágrafo único do CPB). Mas, enfim, inimputabilidade em relação a que crime? 

Não seria, por certo em relação ao infanticídio, porque, para a materialização deste - por enquanto - a lei penal exige o estado puerperal, que não é sinônimo de psicose pós-parto. Daí eu entender pelo deslocamento para o delito do art. 121, caput (em princípio) e, com isso, a imersão na avaliação do grau de inimputabilidade. 

Depressão pós-parto e melancolia pós-parto (chamado baby blues) são situações intermédias, nas quais a mulher pode manifestar, em maior ou menor escala (depressão e melancolia, respectivamente) cansaço, mau-humor,   tristeza, desespero, impotência, choro frequente, falta de energia e motivação, distúrbios na alimentação, distúrbios no sono, dificuldade de concentração e de memória, sentimentos de culpa, perda de interesse em atividades, dores de cabeça, ou problemas de estômago

Distinguem-se do estado puerperal, bem como entre si, pela gradação dos sintomas, bem como pela sua duração, uma vez que a melancolia constitui um quadro sintomatológico mais abrandado. 

Nesse diapasão, não se pode ter como deflagrado o infanticídio, tendo em vista que o estado de comprometimento fisiopsíquico não é o bastante para incorrer na zona de punição de semi-imputabilidade que é o infanticídio [importante aqui ressaltar isso: a figura do art. 123 do CPB constitui um caso específico de homicídio privilegiado que se perfaz a partir de uma situação de comprometimento fisiopsíquico da mulher, em face das significativas mudanças hormonais]. 

Como depreender a existência do estado puerperal?

Eis a mágica omnisciente do campo jurídico... Franca doutrina (Nucci, Grecco, Capez, Bitencourt, dentre outros) pendem pela prescindibilidade do laudo para averiguar, em concreto, a existência de puerpério, por correlacioná-lo a outra expressão do tipo penal, qual seja, "durante o parto ou logo após", deixando clara a ideia de estado puerperal e parto estarem correlacionadas até mesmo em face da lacuna legal em torno da fixação de tempo. 

Por um lado, não faria o menor sentido o legislador fixar tempo, tendo em vista que tais estados variam temporalmente, podendo apresentar sintomatologias que duram dias e até mesmo anos. Daí uma fórmula "mágica" apresentada por Nucci: quando mais próximo ao momento do parto, mais de presume o estado puerperal, sendo ônus da acusação afastar, com elementos de prova (daí eu entender pela importância do laudo), a presunção. De outra sorte, quanto mais afastado o evento do curso causal do parto, mais se presume pela não ocorrência - ou pelo abrandamento - do estado puerperal, sendo, assim, ônus da defesa provar o estado. 

Outro ponto que merece relevo diz respeito à comunicabilidade do estado puerperal para o partícipe, em prestígio à manutenção da teoria monista, que preceitua a imputação dos mesmo tipos penais para todo/as as pessoas que realizam a conduta. 

Isso porque, a rigor, estado puerperal é uma condição que apenas a mulher pode experimentar e, grosso modo, sendo especialíssima (pois não é toda a mulher, mas a parturiente, em face da modificação pela qual passa e que tem como ponto culminante o parto), grosso modo não teria muito sentido se pensar em se comunicar para quem não se encontra sob esta égide de perturbação. A respeito do tema o art. 30 do CPB menciona  que "Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime", seduzindo-nos a acreditar, olhando-se de primeira vista, que o estado puerperal é condição de caráter pessoal. 

Não está equivocado quem acha ser, pois é condição inerente ao estado sui generis da mulher. O problema em alocar o estado puerperal como condição de caráter pessoal reside na quebra com a teoria monista adotada até então pelo CPB, rezando o compartilhamento dos mesmo tipos penais para autore/as e partícipes. O que se faz?

Quebra-se o monismo e se mantém a incomunicabilidade?

Mantém-se o monismo e se irradia um estado que, a rigor, acomete apenas a mulher em situação de parturiência? 

A solução - não sem críticas, claro - diz respeito ao alojamento do estado puerperal como elementar do tipo, e não como condição de caráter pessoal. Isso porque, mesmo sendo especialíssima a condição, sua concepção como elementar traz o condão de - na supressão do estado - desnaturar o tipo penal, fazendo com que, especificamente, o art. 123 feneça. Aliás, essa sempre é uma boa dica para se diferenciar uma elementar de uma circunstância, na medida em que uma circum + stare [estar ao redor de] é um dado acessório e, portanto, subsidiário ao tipo, de modo que sua supressão não modifica ontologicamente o tipo, ao passo que a elementar é condição sine qua non para o tipo permanecer.

No infanticídio o assunto é delicado e, a respeito do tema, existe um consenso doutrinário em torno da ideia de desnaturação do tipo para uma forma de homicídio privilegiado, o que, aliás, é realmente a natureza jurídica do crime. 

De qualquer sorte, isso manteria, ainda, a teoria monista, tendo em vista que, a rigor, tanto a mãe quanto o auxiliar, receberiam a reprimenda em termos de tipificação no homicídio. Um problema, contudo, decorre daí, ao meu ver: ainda que se fale em privilégio, a pena do art. 121, parágrafo primeiro é superior - e consideravelmente superior - à pena do art. 123, o que apontaria para um desacerto em face da dosimetria, bem como uma burla em relação à legalidade, já que o parágrafo não contempla essa hipótese.

Daí a mantença da comunicabilidade, a despeito de sujeitar críticas em relação à aferição de uma régua de justiça...Non omne quod licet honestum est...