quinta-feira, 16 de agosto de 2012

O empoderamento das advogadas no Distrito Federal: mais cidadania e menos beneplácito


Transformar não significa inverter pólos de poder, nem criar novas dominações. Transformar é detectar os pontos de inflexão do poder e os mecanismos que ensejam seu exercício; é eliminar a diferença simbólica dos sexos, geradora de desigualdade política, é mostrar o ilusório das construções sociais. Afinal, tudo que foi construído pode ser modificado”. Tania Navarro Swain

Uma noite inesquecível, por certo, a de ontem, por envolver matizes tão diferenciadas de vivências do feminino, o bastante para que o debate fosse muito rico e produtivo em termos de metas a serem cumpridas para que possamos elaborar, concretamente, vivências paritárias de empoderamento e atuação política no âmbito da Ordem dos Advogados do Brasil [ou deveria ser Ordem dos Advogados e das Advogadas do Brasil?]

A fala anterior à minha - da nobre colega Estefânia Viveiros - mostrou profunda honestidade na percepção dos preconceitos latentes que nossa classe traz para com o ingresso da mulher no espaço público de tomada de decisões. Desde piadas de duplo sentido até desqualificação em face de uma suposta vulnerabilidade, tudo ainda denota preconceito, de modo que a indiferença a ele - chamamos isso na literatura feminista de INVISIBILIZAÇÃO - acaba se convolando na mais pífia e perversa maneira de se manter o status quo, pois a conveniência da omissão acaba, ao final, legitimando, ainda mais, o preconceito. 

O tema proposto para minha fala "Propostas para chegar ao poder" trouxe muita preocupação, pois, dependendo do viés a contextualizar o assunto, poderia até ser incompreendida na dimensão qualitativa do que, ao final, desejei compartilhar. Na experiência da militância, incompreensão gera ruído e, como sabemos, o ruído traz lacunas interpretativas que podem muito bem ser preenchidas com qualquer conjectura ideológica e, no caso, uma que me traz prevenção: a leitura ANDROCÊNTRICA do mundo. 

Dentro disso, alguns pressupostos são necessários para podermos elaborar discussões sérias e balizadas sobre a equalização de poder entre gêneros, e não ficar na exposição superficial de confabulamento de experiências sem a reflexão a respeito delas. Não pretendo, com essa afirmação, negar validade às experiências e vivências de discriminação de gênero na profissão de advogada. Nunca, pois seria uma incoerência incompatível com o trilhar que até então tenho feito na existência. 

Experiências são o colorido de nossas vidas e o substrato que nos impele, até aqui, ao exame de consciência em relação ao nosso papel no mundo, ou melhor, aos nossos papeis (múltiplos e distintos). Mas pautar uma política pública ou delimitar uma agenda efetiva de demandas apenas no primado de uma experiência irrefletida - ou seja, com lastro na reprodução de uma matiz vitimizante,  representa, para mim, cegueira bruta em relação ao que viés acadêmico e ativista traz de completude em interpretar a vivência de discriminação. 

Apenas desejo compartilhar a reflexão sobre o fato de não sermos mais vítimas, pois, enquanto advogadas, devemos exercitar a superação do estado de impotência na fala e na ação, bastando lembrar, dentro disso, que ad + vocare é chamar ao lado de, o que nos coloca em uma posição de horizontalidade em relação aos nossos pares. 

Nesse viés, recuso-me a me enxergar como vítima de um sistema "voraz", por igualmente me recusar a reproduzir a lógica escalonada que os milhares de anos de patriarcado impuseram às mulheres. Ser vítima é repetir a história de discriminação, e não se emancipar. Isso é um sofisma que ainda cerca muitas mulheres que se enxergam como empoderadas (geralmente economicamente empoderadas) mas que, a despeito do nominalismo sedutor que a palavra "empoderamento" traz, acorrentam-se nos grilhões dos papeis sociais androcêntricos que ainda insistem em cumprir. 

Ainda justificam omissões num binário de exercício de papeis essencializados, conclamando um ethos biologicista para acionar alguns conceitos e algumas agendas feministas para justificar a abstenção em relação à luta. Importante, dentro disso, resgatar a pauta feminista da diferença entre viveres e experienciações do que é "ser mulher". 

Parafraseando Beauvoir, nascemos fêmeas - ethos biologicista - mas nos tornamos mulheres ao longo de nossas experiências, que não são iguais, não são homogêneas e, com isso, não nos colocam em um ponto obscuro do Universo a clamar por direitos que, a bem da verdade, representam o primado da apropriação masculinista de nossas vontades e de nossos corpos. Com isso, nem toda demanda da mulher resume-se à reflexão sobre a maternidade, sobre ética comportamental e, sobretudo, sobre como esperar a benesse do androcentrismo para com as mulheres que desejam ingressar no espaço público de tomada de decisões. 

Dialogando com experiências distintas das minhas, nunca me vi como frágil, bem como nunca me senti humilhada na atuação como advogada, porque, de fato, minha opção, desde minha socialização primária - fruto do ativismo feminista de minha própria mãe, que rompeu barreiras para me transmitir a igualdade - foi de me lançar no mundo em paridade de armas, tendo consciência das iniquidades de gênero, mas não me prevalecendo dos estereótipos fomentados pelo androcentrismo para que minha voz fosse ouvida aos quatro cantos. 

Com isso, reconheço, de outra sorte, que apenas se firmar no mundo abstração das leituras acadêmicas pode representar um apego a utopias inexequíveis, sagas quixotescas de "busca" de algo que, a bem da verdade, se não for pontuado, nem ao menos saberemos o que é...

Dentro disso tudo, entendo existir um projeto inacabado em relação ao que se depreende de uma "proposta para se chegar ao poder". Na verdade, não vejo exatamente uma chegada, mas um processo que se renova diante de cada conquista e se revitaliza ante cada derrota, de modo a permitir o progressivo exercício paritário de poder político. O que se alcançou até aqui não representa o esgotamento das possibilidades de trajetórias das mulheres, mas, antes, pontos de irradiação de novas pautas de exercício político na tomada de decisões ante o espaço público - que é de todas e todos. 

Outra desmistificação que precisa ser feita diz respeito ao exercício de poder na ação, sem que este poder seja algo a ser alcançado. Em Microfísica do Poder - a despeito de eu tomá-lo, muitas vezes, como um estruturalista estático - Foucault já delineava o exercício microcapilarizado de poder, numa atuação, a todo o tempo, por todos e todas as pessoas, e não como um objeto apreensível de captação. Por isso não consigo validar uma chegada em poder algum, mas, antes, um exercício pessoal, no aqui e no agora, em escala radial, praticado por todos e todas em sociedade. Acho mais honesto, democrático e, acima de tudo, igualitário.

Nesse contexto, o que haveria de ser empoderamento? Processo contínuo de decisão, por intermédio do movimento pessoal e coletivo de conscientização e tomada de controle de nossa própria vida, por intermédio de ações no mundo, a partir da reflexão mas, sobretudo, da atitude dialogada com o outro - qualquer que seja esse ou essa outro ou outra. Empoderamento pressupõe uma dimensão cognitiva, que nos remete à ideia de conscientização desse nicho ainda existente de disputas e discriminações, bem como o desejo de mudança. 

Além disso, supõe uma vinculação psicológica, de cunho sentimental, inerente a todo ser humano, no sentido de produzir o empuxo necessário para o implemento da mudança. Sem deixar de mencionar a dimensão política de executoriedade dessa mudança, acrescida à dimensão de autonomia econômica, para que os pactos de subordinação ao masculinismo não encontrem espaço. 

Toda reflexão, assim, sobre empoderamento, esbarra na concepção de contextualização do tema no reconhecimento de uma estrutura política, cultural, econômica e simbólica (esta mais real e perversa, por sustentar as demais) patriarcal, extrapolando o sentido estático, que remete, em geral a um sentido fixo, uma estrutura fixa que mediatamente aponta para o exercício e presença da dominação masculina[1]

Esse é, para mim, o ponto central: superar a ingenuidade de se entender como aniquilado o preconceito de gênero, pois, a rigor, nunca antes o androcentrismo esteve tão arraigado como hoje, mas de maneira simbólica e perversamente sutil, pois só assim queda difícil sua deflagração. 

O pequeno número de advogados na palestra de ontem retrata bem esse quadro, pois legitima a ideia de ser, ainda, tabu, falar em equalização de gêneros na Ordem dos Advogados e das Advogadas do Brasil. Escusas das mais diversas foram dadas para as abstenções masculinas de ontem. Desde a "falta de divulgação" - que, obviamente, não corresponde à verdade do que as redes sociais nos dão de suporte para a transmissão da informação, até mesmo os jogos de futebol, passando por escusas de ordem "pessoal" (como se o político também não fosse pessoal). Tudo foi colocado à mesa para encobrir a verdade: OMISSÃO ante propostas de alocação das advogadas para o efetivo espaço paritário de representatividade na Ordem. 

Aliás, esse jogo não é novo, pois é o cenário que está deflagrado há 3.000-5.000 anos, por meio de uma dinâmica sectarizada e elitizada de poder, onde o privado passou a ser domínio secreto das mulheres (bruxas, sacerdotisas e detentoras do sacerdócio tido como emocional, hermético e histérico), enquanto o público foi visibilizado e reconhecido como cenário masculino. Essa percepção, ao meu ver, trabalha num binário patriarcado-matriarcado que, embora útil como categoria de interpretação, necessita oxigenação, para que possamos resgatar a ideia de um modelo de parceria, sustentáculo de uma proposta paritária de representatividade no cenário da OAB.  

Um problema muito sério é a pressuposição de existência de uma constante histórica de matriarcado no lugar de patriarcado, pois, segundo algumas propostas de releitura histórica, isso era perceptível em sociedades pré-patriarcais, que não foram necessariamente matriarcais (Riane Eisler).

Partindo para dados...o que temos? Claro que a mulher ingressa mais na faculdade de Direito. Inegável, bem como inegável o contingente de mulheres no mercado de trabalho, bem como, em termos de Estado, fazendo parte da Administração. O que se discute, por agora, é o ínfimo numerário de mulheres que estão à frente de posições constitucionalmente instituídas como eixos de decisões jurídicas, políticas e administrativas. 

Elaborei um quadro bem simples de dados alarmantes...

ÓRGÃO
TOTAL COMPONENTES
TOTAL DE MULHERES
PORCENTAGEM
SENADO
81
12
14,81
CÂMARA
513
45
8,77
MINISTROS DE ESTADO
24
10
41,66
STF
11
2
18,18
STJ
31
5
16,12
TJDFT
40
7
17,50
TJDF – TITULARES
181
64
35,35
TJDF – SUBSTITUTOS
114
45
39,47
CÂMARA LEGISLATIVA
24
5
20,83
OAB/DF
54
8
14,81
OAB*
81
8
9,87
ELEITORAS


40-50%
PROMOTORES
TITULARES
DF
248
99
39,91
PROMOTORES
SUBSTITUTOS
DF
50
22
44
PROCURADORES
DE
JUSTIÇA
DF
39
18
46,15
SUB PROCURADORES
61
19
31,14
*DF tem uma situação anômala, pois dos 3 conselheiros, 2 são mulheres, num total de 66,66%.

Como se percebe, ainda temos muitos espaços e muito percurso a ser trilhado.  No âmbito do Poder Executivo, a discrepância é menor, pois, além da Presidenta Dilma, temos um universo de 41,66% Ministras de Estado, sem deixar de mencionar o significativo acervo de mulheres compondo o segundo escalão do governo. 

Em termos de Poder Judiciário, pífia é a incursão feminina no universo de decisões jurídico-políticas, bastando observar que somos respectivamente 18,18%, 16,12% e 17,50% do STF, STJ e TJDFT. Essas cifras colocam por terra a igualdade de acessos aos cargos de expoência no Brasil, fazendo-nos lembrar que a discriminação está ainda operante em nosso país. 

No âmbito da Ordem dos Advogados e das Advogadas do Brasil ainda é mais trágico o cenário, pois, em nível de Distrito Federal, nossa participação chega a 14,81%, reproduzindo, assim, a falta de paridade na representatividade do órgão. Quando muito, somos titulares de uma comissão de assuntos relacionados às mulheres, quando, a bem da verdade, num pluralismo em que somos pares, o que se demanda é paridade na composição do Conselho. Ao menos é o que vejo em termos de isonomia.

Se é bem certo que existem sistemas de cotas no Brasil, que alcançam cifras de 30%, importante lembrar que a legitimidade dessa "deferência" cai por terra se lembrarmos se tratar de beneplácito de quem está no poder, ainda à maioria - universo masculino - para com as mulheres, o que é contraproducente em termos de sucesso em demandas de equalização de gênero.

Cheguei a ouvir ontem, em alguns momentos, concitações a respeito de se proporem concretamente medidas em relação a isso e, salvo melhor juízo, entendi na paridade de composição de chapas, por exemplo, uma boa medida de equalização. Ao invés de se pugnar os beneplácitos que adviriam da parcimônia de quem está no epicentro do poder, façamos diferente a partir de nossa prática. Só acreditarei em equalização de gênero na OAB o dia em que abrir o site e contabilizar o mesmo número de conselheiros e conselheiras. O que estiver distante disso é, para mim, diletantismo puro e simples...






[1] Patriarcado se refere a uma forma, entre outras, de modos de organização social ou de dominação social. Conceito clássico weberiano: “chama-se patriarcalismo a situação na qual, dentro de uma associação, na maioria das vezes fundamentalmente econômica e familiar, a dominação é exercida (normalmente) por uma só pessoa, de acordo com determinadas regras hereditárias fixas.” (Weber, 1964, t.1.p.184).

Sobre o homicídio qualificado


HOMICÍDIO QUALIFICADO (art. 121, §2°)

1.     Natureza jurídica e aplicabilidade:
·         crime hediondo (lei 8.072/90): inafiançabilidade, insuscetibilidade de anistia, graça ou indulto, cumprimento da pena em regime inicial fechado, com cumprimento de 2/5 (primário) e 3/5 (reincidente) para progressão, livramento condicional depois de 2/3 da pena cumpridos, salvo de for reincidente específico, quando há a vedação.
·         homicídio qualificado-privilegiado: concurso possível entre privilégio (subjetivo) e qualificadoras objetivas (meios executórios), tendo em vista o caráter de eticidade que exclui a concomitância de valores e anti-valores (ou seja, privilégio e qualificadoras subjetivas). PRECEDENTES NO STJ: Não incompatibilidade na coexistência de circunstâncias que qualificam o homicídio e as que o tornam privilegiado. - O reconhecimento pelo Tribunal do Júri de que o paciente agiu sob o domínio de violenta emoção com surpresa para a vítima não é contraditório, tendo em vista que as circunstâncias privilegiadoras, de natureza subjetiva, e qualificadoras, de natureza objetiva, podem concorrer no mesmo fato-homicídio”. (REsp 326118 / MS Ministro VICENTE LEAL SEXTA TURMA - 14/05/2002)

2.     Análise do tipo:
·         I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe:
·           paga (pagamento): pecúnia [homicídio mercenário].
·           promessa de recompensa (sentido amplo / ulterior acerto). [homicídio mercenário].
·           hipótese de concurso necessário, com a comunicabilidade (art. 30) em relação ao mandante e executor. No caso de reconhecimento de privilégio (exemplo, mandante imbuído de relevante valor moral – ex vi, estuprador da filha), afasta-se a qualificadora.
·           torpe: abjeto, repugnante, desprezível. Observar CIÚME (não é considerado) e VINGANÇA (considerada torpe).
·         II - por motivo fútil: insignificante, desproporcionalidade entre crime e sua causa moral, banal, frívolo, mostrando pequenez. Ausência de motivo não é motivo fútil (do nada nada se cria).
·         III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum:
·           veneno: substância química ou biológica que, introduzida no organismo, pode causar a morte.
·               insuficiência da quantidade inoculada: ineficácia relativa (homicídio qualificado tentado); ineficácia absoluta (crime impossível)
·               inoculação dissimulada: não há a qualificadora se o veneno é administrado à força ou com conhecimento da vítima.
·               inoculação com violência: (meio cruel).
·               sujeita à perícia toxicológica.
·           fogo ou explosivo:  ou substâncias similares (explosivo), caráter comburente, que pode trazer o crime de dano qualificado a terceiros. O artigo 163, § único, II , porém, pode ser absorvido, quando não constitui crime mais grave (subsidiariedade expressa).
·           asfixia: impedimento ou supressão da função respiratória. Pode ser mecânica ou tóxica.
·               mecânica: esganadura (constrição do pescoço da vítima efetuada pelo próprio corpo do agente, com as mãos ou os pés etc.) / estrangulamento (constrição do pescoço da vítima com fios, arames ou cordas que são apertados pelo agente) / enforcamento (peso da vítima) / sufocação (uso de objetos que impedem a entrada do ar pelo nariz ou pela boca - pano na garganta da vítima ou colocação de travesseiro no seu rosto) / afogamento (submersão em meio líquido) / soterramento (submersão em meio sólido) / imprensamento ( impedimento do movimento respiratório pela colocação de peso sobre a região do diafragma da vítima - sufocação indireta).
·               tóxica: gás asfixiante / confinamento (recinto fechado onde não há renovação do oxigênio).
·            tortura ou qualquer outro meio cruel: vítima submetida a sofrimentos físicos, psíquicos ou mentais.
·               Se a tortura for MEIO, incidirá como qualificadora, mas se for FIM ALMEJADO, constitui crime autônomo (9.455/97).
·               DISTINÇÃO ENTRE TORTURA AGRAVADA PELA MORTE (ART. 1°, §3° da lei 9.455/97) E HOMICÍDIO QUALIFICADO PELA TORTURA.
·           meio insidioso: dissimulação mediante fraude, perfídia, armadilha ou estratagema para atingir a vítima sem que ela perceba, como a armadilha, uma sabotagem etc.
·           qualquer meio que possa causar perigo comum: o meio utilizado possibilita situação de perigo à vida ou integridade corporal de elevado número de pessoas, como no caso de desabamento, inundação, disparos em meio a  multidão etc.
·         IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido:
·           traição:. aproveitamento de prévia confiança.
·               física: ataque súbito e sorrateiro, como num ataque pelas costas;
·               moral: quebra de confiança (proximidade ganha).
·            emboscada:tocaia”, pressupondo premeditação, quando o agente se esconde e aguarda a passagem da vítima.
·            dissimulação: engana-se a vítima, aproximando-se dela e executando-a.
·               material: disfarce para facilitar a aproximação.
·                moral: falsas demonstrações de amizade, amor etc. (maníaco do parque em São Paulo).
·           IMPORTANTE! TRAIÇÃO MORAL ≠ DISSIMULAÇÃO MORAL, pois na TRAIÇÃO MORAL há o pressuposto de AMIZADE, OU relação de AMIZADE CUJO VÍNCULO FOI quebrado entre algoz e vítima, enquanto na DISSIMULAÇÃO MORAL, desde o início, há o ganho de confiança PARA COMETER O CRIME.
·            qualquer outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa da vítima: surpresa, disparo pelas costas (diferente de nas costas), vítima dormindo, em coma alcoólico, algemada, linchamento e outros modos. Segundo LYRA, “a dificuldade da defesa há de originar-se do recurso empregado pelo agente e não da imprevidência ou da incúria injustificável da vítima”. Assim, a superioridade de armas (algoz armado e vítima desarmada) não constitui a incidência da qualificadora.
·         V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime: CONEXÃO ENTRE CRIMES:
·           teleológica:  visa assegurar a execução de outro crime. (exemplo: o agente mata o marido para estuprar a esposa), pelo homicídio qualificado e pelo outro crime subsequente em concurso material. Porém, se o segundo crime foi frustrado, responde só pelo homicídio qualificado.
·            consequencial: visa assegurar ocultação, impunidade ou vantagem de outro crime, como, por exemplo, na “queima de arquivo”. Um exemplo clássico: se o agente mata alguém e esconde o cadáver, teremos concurso material com a ocultação de cadáver (art. 211).
·           impunidade: o agente pretende evitar a punição, como no caso de matar a testemunha de crime praticado pelo agente anteriormente.
·           vantagem de outro crime: exemplo clássico, qual seja matar coautor de roubo para ficar com todo o dinheiro.
·       §4º: - a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos, ao tempo da ação ou da omissão. O agente deverá ter conhecimento ou ser manifestamente previsível, caso contrário, erro de tipo.

Notas essenciais sobre homicídio privilegiado


HOMICÍDIO PRIVILEGIADO (art. 121, §1° do CPB)

1.     Natureza jurídica e aplicabilidade:
·         causa de diminuição da pena, não constituindo, de fato, privilégio, como, por exemplo, o infanticídio, que possui faixas de pena. Mas, em face da popularização do termo, ficou como privilegiado em função do caráter de moralidade que traz um abrandamento da fixação de pena (Nucci). Redução na pena em face de peculiaridades que marcam menor reprovabilidade do ilícito. Valorações ético-jurídicas.
·         poder-dever na redução: obrigatória. Observar a edição da Súmula 162 do STF que tratou da obrigatoriedade de inclusão na quesitação, que reforça a tese de obrigatoriedade (direito subjetivo público). A referência à discricionariedade (pode) diz respeito ao quantitativo de pena, e não à aplicação ou não da redução. ? Mais uma vez um diminuto (mas clássico) dissenso doutrinário, pois há quem entenda ser uma faculdade, não vinculando o(a) aplicador(a) da lei, como pretende Magalhães Noronha (1994, p. 25), opinião compartilhada com Frederico Marques e Mirabete[1]. Entendo se tratar de uma obrigatoriedade para o(a) juiz(íza), na qual a referência a “poder” restringe-se à escolha da faixa de diminuição de pena. Dito de outra maneira, penso que o(a) legislador(a) atribuiu uma regra de obrigatoriedade, na medida em que especificou as condições – na redação do parágrafo, bem precisas e pontuais - para que se processe a diminuição, estabelecendo limites para o(a) aplicador(a) da lei. Assim, a palavra “pode” não está relacionada à obrigatoriedade ou não de se reduzir, mas ao limite de quanto se reduzirá a pena.

2.     Análise do tipo: art. 121, § 1º: “Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço
·         Motivo[2] é a razão pela qual atuamos no mundo, o centro irradiador do direcionamento da ação, fundamento contido em nosso querer. Quando se fala em motivo de relevante valor social, o que está por trás é o fundamento ético-social que sensibiliza a coletividade e que esteia a razão pela qual o agente cometeu o ato. Alguns autores citam o exemplo de se matar o indivíduo que trafica drogas em uma escola, conclamando a causa de diminuição de pena como fundamento do extermínio[3]. Não sei bem se é possível legitimar uma situação assim, porque, com isso poderíamos cair na armadilha dos “justiceiros”, o que é incompatível com um Estado de garantias individuais.
·         Relevante valor social: interesse coletivo (amor à pátria, comoção pública).
·         Relevante valor moral: valor superior, numa moral objetivada, predominantemente individual, ao que é importante para a pessoa do agente (cidadão que mata o estuprador da filha) Eutanásia.  Vide concurso com art. 65, III, “a” do CPB (bis in idem). a) eutanásia[4] (homicídio piedoso); b) ortotanásia (homicídio piedoso omissivo- eutanásia moral ou terapêutica – autorizado pelo art. 66 do Código de Ética Médica); c) distanásia (morte lenta e sofrida por processo “terapêutico”).
·         Sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima: critério complexo (violenta emoção + instantaneidade + provocação valorada como injusta). Diferenciação entre emoção (estado afetivo passageiro) e paixão (estado crônico de emotividade que se prolonga, monopolizando o ser). Vide art. 65 “c” e entendimento do STJ: “Cumpre ressaltar que, no homicídio privilegiado, exige-se que o agente se encontre sob o domínio de violenta emoção, enquanto na atenuante genérica, basta que ele esteja sob a influência da violenta emoção, vale dizer, o privilégio exige reação imediata, já a atenuante dispensa o requisito temporal” (AgRg no Ag 1060113 / RO - Ministro OG FERNANDES - SEXTA TURMA - 16/09/2010). A injustiça da provocação (não é agressão) está relacionada à equidade, não razoabilidade. Instantaneidade deve ser observada com ponderação, sendo que o limite é a premeditação, bem como a vendeta (tempo decorrido para estabelecer a vingança do ato). Necessário que o agente esteja vinculado de maneira irresistível – daí a razão de se falar em agir “impelido” – ao passo que, para a incidência da atenuante é necessário apenas a existência do relevante valor, sem que seja um estado mais contundente e inafastável. Não se comunica aos eventuais autores e partícipes, segundo o art. 30 do CPB.
·         Rompante de ciúme: não constitui uma variável definitiva a categorizar o crime como privilegiado (por exemplo, excesso de zelo, amor, cuidado, carinho) ou qualificado (ciúme dito egoístico).
·         Homicídio privilegiado-qualificado: concurso possível entre privilégio (subjetivo) e qualificadoras objetivas (meios executórios), tendo em vista o caráter de eticidade que exclui a concomitância de valores e anti-valores (ou seja, privilégio e qualificadoras subjetivas). PRECEDENTES NO STJ: Não incompatibilidade na coexistência de circunstâncias que qualificam o homicídio e as que o tornam privilegiado. - O reconhecimento pelo Tribunal do Júri de que o paciente agiu sob o domínio de violenta emoção com surpresa para a vítima não é contraditório, tendo em vista que as circunstâncias privilegiadoras, de natureza subjetiva, e qualificadoras, de natureza objetiva, podem concorrer no mesmo fato-homicídio”. (REsp 326118 / MS Ministro VICENTE LEAL SEXTA TURMA - 14/05/2002)
·         Não é considerado hediondo (precedentes no STJ e TJDFT). HC 23408/MT, 6ª Turma, Min. Hamilton Carvalhido (STJ), por “por incompatibilidade axiológica e por falta de previsão legal” (ex vi HC 153728 / SP). Vide parte do relatório vencedor, que buscou o precedente no  REsp 180.694-PR (julgado em 02/02/99), in verbis: “A Lei nº 8.072/90 alterada pela Lei nº 8.930/94, em seu art. 1°, considerou como hediondo, entre outros, o delito de homicídio qualificado, consumado ou tentado. Não faz nenhuma referência à hipótese do homicídioqualificado-privilegiado. A extensão, aqui, viola o principio da reserva legal, previsto entre nós tanto na Carta Magna como em regra infra-constuciona1 (v. g., art. 5º, inciso XXXIX da Lex Maxima e art. 1° do C.P.). E, por óbvio, que tal regra basilar se aplica, também, à fase de execução da pena visto que esta sem execução seria algo meramente teórico ... sem sentido (v. g. Nilo Batista in “Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro”, REVAN, p. 68 e Sainz Cantero in “Lecciones de Derecho Penal”, 3ª ed., Bosch, p. 333). A afirmação da que o homicídio privilegiado não é figura típica refoge á melhor posição na dogmática jurídico-penal. Decorre, em verdade, de interpretação gramatical dos dispositivos (ou da formulação de nomen iures) do C. P. É tipo derivado colocado na mesma categoria dos qualificados (v. “Lições de Direito Penal” de H. C. Fragoso , Parte Geral). Assim, também, o furto privilegiado, o estelionato privilegiado, etc. Não é, vale dizer, mera (tão só) minorante (causa legal de diminuição de pena) tal como se vê dos arts. 26, parágrafo único, 21, caput, 2ª parte ou, ainda, 16, etc. O efeito é de minorante (causa específica, agregada) mas a figura típica existe. Nesta linha, de exclusão do homicídio qualificado-privilegiado como hediondo, tem-se as ensinanças de Alberto Silva Franco, Damásio E. de Jesus e Assis Toledo (in “Leis Penais Especiais e sua Interpretação Jurisprudencial”, vol. 2, 6ª ed., p. 575), in verbis: “Resta, ainda, enfocar a hipótese do homicídio qualificado-privilegiado. Damásio Evangelista de Jesus, com inteira propriedade, no seu artigo “O Homicídio, Crime Hediondo”, in “boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais”, nº 22, de outubro de 1994, excluiu tal hipótese da categoria de crime hediondo: “se, no caso concreto, são reconhecidas ao mesmo tempo uma circunstância do privilégio e outra da forma qualificada do homicídio, de natureza objetiva, aquela sobrepõe-se a esta, uma vez que o motivo determinante do crime tem preferência sobre a outra. De forma que, para efeito de qualificação legal do crime, o reconhecimento do privilegio descaracteriza o homicídio qualificado. Assim, quando o inciso I do artigo 1º da Lei n. 8.072/90 menciona o “homicídio qualificado” refere-se somente à forma genuinamente qualificada. Não ao homicídio qualificado-privilegiado. Tanto que, entre parênteses, indica os incisos I a V do § 2° do art. 121. Suponha-se um homicídio eutanásico cometido mediante propinação de veneno, ou que o pai mate, de emboscada, o estuprador da filha. Reconhecida a forma híbrida, não será fácil a tarefa de sustentar a hediondez do crime. Como disse o Ministro Asis Toledo, do STJ, “seria verdadeira monstruosidade essa figura: um crime hediondo cometido por motivo de relevante valor moral ou social. Seria uma contradictio in terminis ” Há, ainda, aspecto que reputo relevante. O menor desvalor de ação (na linha de Bacigalugo, Welzel, Zielinski e outros) do privilegiado, aliás, ex vi legis, acentuada redução, afeta, em essência, o acentuado desvalor de ação do qualificado. Isto, do cotejo entre o valor negativo de ação do tipo qualificado e o do privilegiado, com grande destaque no homicídio, revela que o homicídio qualificado-privilegiado
está abaixo do patamar fixado em lei para o delito hediondo (a lei diz: consumado ou tentado ). A inclusão da conatus, por outro lado, no rol, se justifica por sua característica de peculiar incongruência por excesso subjetivo (S. Mir Puig) ou de problema de congruência (R. Maurach ) porquanto o menor desvalor do resultado decorre, aí, de circunstância alheia à vontade do agente. Na forma privilegiada, o réu age por motivo ou situação anímica de grande redução no desvalor de ação. Já, as minorantes não específicas (genéricas) são conseqüências de hipóteses extra-típicas, escapando à vexata quaestio . Por fim, se as situações estabelecidas no § 1°, em outros delitos hediondos, só podem produzir o efeito de atenuantes, deixando intactos os tipos, tal resulta de posicionamento axiológico adotado pelo sistema”. Outros precedentes: "HABEAS CORPUS . DIREITO PENAL. "HOMICÍDIO QUALIFICADO-PRIVILEGIADO". REGIME PRISIONAL. PROGRESSIVIDADE NO CUMPRIMENTO DA PENA.POSSIBILIDADE. REGIME INICIAL SEMI-ABERTO. DEFERIMENTO. 1. O "homicídio qualificado-privilegiado" é estranho ao elenco dos crimes hediondos. 2. Em se cuidando de pena superior a 4 anos e inferior a 8 anos de reclusão, autoriza a lei penal o deferimento do regime semi-aberto ao réu não reincidente, que deve ser estabelecido, se favoráveis as circunstâncias judiciais e se trata de homicídio privilegiado. 3. Ordem concedida." (HC 23.408/MT, 6ª turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJU de 01/03/2004). "HABEAS CORPUS . PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO-PRIVILEGIADO. CRIME HEDIONDO.PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL. POSSIBILIDADE. "Se a Lei nº 8.072/90, que elenca os crimes hediondos, não faz qualquer alusão à hipótese do homicídio qualificado-privilegiado, possível é a progressão de regime". Precedentes desta Corte Ordem concedida." (HC 23.973/MS, 5ª Turma, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJU de 11/11/2002). "PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO-PRIVILEGIADO. REGIME PRISIONAL. CRIME HEDIONDO. 1. Ante a inexistência de previsão legal, bem como o menor desvalor da conduta em comparação ao homicídio qualificado, consumado ou tentado, o homicídio qualificado-privilegiado não pode ser considerado como crime hediondo. Precedente. 2. Pedido de Habeas Corpus deferido, para reconhecer ao paciente o direito à progressão do regime prisional." (HC 13.001/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Edson Vidigal, DJU de 09/10/2000).

3.     Alguns exercícios de fixação em relação aos pontos:

3.1. Em relação ao crime de HOMICÍDIO, julgue os itens a seguir em V ou F:
a)      considera-se início da vida extrauterina o momento do parto.
b)      tem-se como objeto material a pessoa cuja vida foi exterminada.
c)      o dolo eventual é incompatível com a qualificadora de motivo torpe.
d)      para fins de tipificação como homicídio privilegiado, considera-se a mera influência de um estado de ânimo ou excitação.
e)      a figura do homicídio qualificado-privilegiado encontra-se presente no rol descrito na lei de crimes hediondos (Lei 8.072/90).

3.2.Em relação ao homicídio, assinale a opção correta:
a)     Trata-se de crime comum, material, de perigo.
b)    A modalidade simples prevista no caput não constitui crime hediondo.
c)     Para fins penais considera-se a morte no momento da cessação das atividades cardíacas.
d)    O objeto material é a vida.
3.3. Em relação ao homicídio, assinale a opção correta:
a)      O dolo eventual é incompatível com qualificadora relacionada a motivo torpe.
b)      O ciúme egoístico, baseado no puro sentimento de posse, pode ser considerado motivação fútil ou torpe, independentemente do caso concreto.
c)      Configura a hipótese de homicídio privilegiado quando o sujeito está dominado pela excitação dos sentimentos, e não apenas influenciado.
d)      Considera-se violenta emoção quando a agressão verbal provocada pela vítima é feita reiteradamente, durante grande período de tempo, em relação ao ofensor.



[1] Sustenta Magalhães Noronha a clássica distinção semântica entre poder e dever, pensamento bem razoável para sua época. A essa literalidade prefiro, contudo, encarar a expressão “poder” em seu sentido de “poder-dever”, prestigiando, assim, a tutela de direitos subjetivos que um Direito Penal garantista atribui como comando interpretativo ao aplicador ou à aplicadora da lei. Com isso, a faculdade estaria restrita apenas ao quantitativo da redução, e não à possibilidade de redução da pena.
[2] Importante diferenciar motivo de dolo, tendo em vista que esse último relaciona-se à justificativa que embasa o conteúdo de vontade a desencadear o comportamento humano rumo à consecução, no mundo físico, do tipo penal (o desiderato de “matar”). Já o motivo é a razão que impele o agir, ou seja, o que está por trás da intencionalidade dirigida ao objetivo, bem diferente de dolo.
[3] Embora Nucci reconheça a necessidade de ponderação no reconhecimento de privilégio, para não se banalizar, como diz, “a eliminação da vida alheia” (2012, p. 631), entendo infeliz qualquer exemplo que relativize a tutela da vida – mormente sob a bandeira da eugenia relacionada às drogas – por entender que o tema é bem mais complexo do que a pretensão do Direito Penal em deflagrar bandeiras pedagógicas contra o crime e a criminalidade.
[4] Eutanásia é o auxílio médico para fazer eclodir a morte de um paciente que já se encontra em uma situação prolongada de intenso sofrimento.