domingo, 13 de março de 2011

Nietzsche, finalismos, -ismos...O finalismo morreu na cruz

Ao contrário do que muito se supõe (claro, sempre o campo das suposições abstratas e a priori, quase sempre indicativas da estultícia e da comodidade no não-pensar), Nietzsche transitou por todos os aspectos do direito penal, tendo em vista que seus fragmentos - verdadeiros tratados - colocam-nos à reflexão sobre a finalidade da punição, bem como sobre o "desvalor da ação".

Estou lendo agora Para além do bem e do mal, obra que desemboca na Genealogia da moral, onde o filósofo - na parte em que estou concentrada - começa a refletir sobre um dos pilares do que futuramente veio a ser o dilema do direito penal: a análise sobre o "desvalor" da ação e do resultado, apanágio da oposição entre as duas paleolíticas teorias, finalista e causalista.

A proposição inquietante do mestre alemão consiste em reputar que "o valor decisivo de uma açao reside precisamente no que há de não intencional, e que toda a sua intencionalidade, tudo que pode ser visto, sabido, conhecido 'conscientemente' pela ação pertence ainda à sua superfície e epiderme que, como toda epiderme, denuncia algo mas oculta ainda muita coisa" (p. 62).

Não se contentou Nietzsche com o postulado finalista de "pureza" apriorística da ação motivada a um objetivo, por entender que, primeiro, livre arbítrio é um devaneio categórico que não existe a não ser no plano da interpretação do fato; segundo, toda ação aparentemente "depurada" no plano da razão (proposta dos kantistas) esconde, em si, algo que a motiva...

Com isso, o finalismo morre na cruz...ou, dialogando com o mestre, é natimorto. Desde sempre condenado a vagar como uma via de interpretação do humano que simplesmente nega e renega tudo o que se é, humano. Além disso, nunca é demais lembrar que, para ele, "vontade livre" não passa de um - dentre vários - conceitos inventados por Kant, nada mais.

A vida, o humano, as pessoas, não se processam assim, dentro de movimentos de "ordenação mental" e "lisura" volitiva. Reduzimos a enunciados hipotéticos "ações em si", ou seja, atribuindo significado a comportamentos que se colocam na mais alta sorte de complexidade e riqueza causal.

Daí o corte que o finalismo pretende fazer - ao meu ver, sem sucesso - não passar de um reboco causal-determinista, envernizado com o nome requintado de "finalismo", dando a aparência de transparência no agir. Uma espécie de lente já turvada pela ação da água móvel... Querer + agir são, para o filósofo, parte de um processo só, onde é impossível cingir momentos sem que se cerca o fio da meada em termos de complexidade da ação...

Em cada ato de vontade - ainda nos que o finalismo não alcança - existe um comando de ação que o motiva. A diferença está na camada de acesso da mente em relação à compreensão dessa dinâmica de comportamento.

É muito providencial prestar atenção no que os funcionalistas estão, desde o século passado, tentando falar conosco, posto que balizados nessa crítica e percepção de mundo, onde se indaga quão sofisticadas estão nossas potencialidades cognitivas, a ponto de alcançarmos as dimensões de nossas condutas.

Quando se fala em sociedade de riscos tem-se como pressuposto a automatização de tudo, até do que, algum dia (será?) convencionou-se chamar de humano. Lidamos com humanos, mas também com robôs que, em larga escala, produzem danos, machucam e laceram bens jurídicos. O finalismo não alcança NADA, absolutamente nada, "para além das epidermes"...

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